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"expresso" cada manhã
Fátima Campos Ferreira
Uns minutos antes do Programa (fotografia tirada do facebook)
Faz de conta que sou o Eduardo Lourenço e digo “vou a todas”. A verdade é que adoro debates. Neste caso, vou quando posso ao único debate de "informação" no canal 1. Ontem era sobre a Europa. E o “miada” em epígrafe não quer dizer que a conversa tivesse apenas a felina retórica a que já me habituei, sobretudo depois da rapidinha na Sorbonne. Marinho Pinto, a estrela de 25 passado, nem sequer miou! Quem vai a um debate, seja ele qual for, ou vai ou não vai. De corpo inteiro, não apenas de corpo presente. Deixar as coisas a meio? Não obrigada. Ontem, no “palco” foram três os que se deram “todos”. Querem saber quais? Leiam. Não querem, não querem. Eu continuo a correr para agarrar a Europa, porque uma lágrima sua…
Eram 4: ao lado de Marinho estava Ana Gomes, e, em frente, Pedro Reis e João Ferreira. Uma repetente, salvo erro 6ª na lista, um mandatário de uma coligação, e “apenas” dois cabeças de lista. Na plateia um politólogo, e dois constitucionalistas. Jornalistas? Estavam dois na sala (que eu visse…). Então? Então hoje era para dizer - e cito um dos quatro - que os argumentos foram “de parca razão”, para citar a poetisa deputada. Dos da plateia percebi pouco. Que é injustiça violar contratos?!Os meus parcos dois anos de Direito na Católica não terão chegado para perceber mais; mas isto agora não interessa. Fico no palco, aprendi no programa, e partilho. Ah, ia-me esquecendo; gostei que Jorge Pereira da Siva tivesse sublinhado que o mais importante é a qualidade dos deputados do que o partido a que pertencem. Como eu o percebo, a ele e ao sistema. E que há crispação, disse o politólogo André Freire, o que prejudica a argumentação. E para o Tiago Antunes não ficar de fora, deixo um dizer dele: “não se discutiram questões europeias; foi uma pobreza de campanha”.
Aqui vai. Um Pedro diplomático, comtido -ou sempre muito caladinho e comedido (ia a dizer comprometido) - a debitar não o que sabemos, como pleno de lugares comuns. E, claro, contente com o fogo direto entre a menina PS e o galã da CDU. Foi a tal ponto, que Marinho, no meio da miada, disse, ironizando, como é costume: “eu não vim aqui para assistir a um frente a frente entre estes dois.” A jornalista do Canal 1 teve que se levantar várias vezes, vestida, como de costume, e também, de ironia. No final do Programa reconheceu que o debate, desta vez, tinha sido difícil. Mas que era assim. O tema é complexo. (sem que seja necessário juntar-me a Hollande e dizer que isto é um terramoto).
Não digo que muita da responsabilidade é da Comissão Europeia: “O Presidente da Comissão não tem exercido os seus poderes”; “Durão Barroso foi um tristíssimo e fraquíssimo presidente da CE” - disse a menina que ontem estava muito incomodada, mais assanhada que o costume, e que gostou do elogio do colega do lado, de que gostava de tê-la a ela a seu lado; mais do que a Francisco Assis. O mesmo teria dito de Rangel, presumo. Rangel que foi convidado. Rajadas daquelas a Durão Barroso, e depois ficarem no ar. Ou dizer que houve debate sobre a Europa, mas que a culpa é dos media, não faz um debate, Dra. Ana Gomes. Argumente! Ou então Silêncio, que se vai cantar o fado…
Onde estão as questões europeias? Contaram-se espingardas! É poucachinho. E que o fenómeno Marinho Pinto se devia à notoriedade. Resposta deste: “ah pois; o Eusébio é que nunca se candidatou”. E Campos Ferreira, a um “piropo” do homem fenómeno: “eu ia logo para PR!”.
De Europa? Extrapolaram-se resultados. De resto, “no passou nada”, e passou "tudo" (o tal paradoxo de Chesterton...). Foram e são narrativas e interpretações. O Programa tinha em subtítulo: Europa e agora? Agora é preciso cidadanar, desabster-se, cumprir mandatos até ao fim. Porquê? Para que a vida não seja superficial. Não é verdade dizer que "nous sommes déjà - e todos - embarqués?" (Pascal, o filósofo).
Nenhum homem é uma ilha...Transponho para a minha corrida, o que disse o homem que parece ser agora – num lançar de deixa da jornalista – uma espécie de “voz geral da sociedade” - : eu candidatei-me para ser eleita; fui eleita; os mandatos são para ser cumpridos até ao fim; a vitória do PS não é cherne mas uma “perca” de razão. Eu? Sai de lá e estou hoje mais argumentada e em liberdade. Há remédios que começam a fazer efeito no day after. Uma crise pode ser um belo desaFIO. Está em crise a democracia e a ideia de Europa. lembrou alguém nalquele palco,ontem.
Maria Guadalupe e Eduardo Lourenço, ontem na Versailhes, no 91º aniversário deste espanto de Pessoa
fotografia de Fernando Figueiredo
Eduardo Lourenço ontem ao final da tarde tarde num café de Lisboa. Foi um encontro naquelas coincidências que acontecem. Puxei-o para a nossa mesa enquanto ele esperava a sua companhia. Curioso: fazia 91 anos. Que festa! Um bom momento. Apareceu logo a seguir quem ele esperava, e sentou-se na nossa mesa. Depois, também sem esperar, entrou o meu fotógrafo de eleição. Rui Ochoa. Ajudou à festa. E registou as 91 Primaveras. A seguir foi tudo para as suas vidas. No fim, mesmo no fim, pensei que gostaria de escrever aqui alguma coisa. Disse-lhe: “amanhã apetecia-me escrever sobre os seus anos…mas não sei que diga”. E não me preocupei.
Mas a ele, com a sua insustentável leveza de ser, tudo lhe interessa. E nada deixa escapar. Ao meu desejo, e na hora, parou. E pôs aquela cara de olhos de “ouvir”. Que tanto vibra com um jogo de futebol, como com uma intervenção pública que tenha que fazer, como aconteceu no painel final da conferência sobre a ditadura, que há dias teve lugar na Gulbenkian. Cabia-lhe então apresentar os ex-presidentes Jorge Sampaio, Ramalho Eanes e Mário Soares. "Eles não precisam de apresentação. Eu é que precisava que me apresentassem....a mim mesmo." Por isso reconheceu uma quase desnecessidade a sua presença ali. Mas discursou como ninguém, porque "nada se faz sem paixão" (palavras de Hegel citadas por ele na sua intervenção) e dessa poucos têm. Pelo que disse, situou-se no registo do "quis saber quem sou, o que faço aqui". Está sempre nesta onda. Mas com uma simplicidade e disponibilidade esmagadoras, simples, a transbordar de ternura e compaixão.
Mas voltando ao meu desejo. O aniversariante estava intenso - uma espécie de 91 da armada - num momento do tempo mas fora do tempo ( T S Elliot). Nunca o tinha visto tão de perto, de lado, nos olhos, que estavam a olhar não sei para onde. Mas estavam, estavam. E estavam verde transparente. Espanto total. Camões puro. Criança. Percebi que ia dizer qualquer coisa. Uma das suas rajadas plenas, paradoxais, que vão rasgando e abraçando o mistério no qual nadamos. Peguei logo no guardanapo (ainda ando péssima da cabeça depois do acidente de há dias; dou pouco para a caixa).
Ele ditou-me o que poderia escrever hoje. Disse-o entre paragens, recuos e alterações, assim: “ Fazer 91 anos como se acabasse de nascer! Fazer quase 100 anos é o mais suportável dos pesos. Só a morte dos outros é que é insuportável. É o insuportável absoluto! Acabar de nascer é nadar numa inconsciência a nenhuma outra parecida. A inconsciência, diz Fernando Pessoa, é aquilo que a consciência nunca consegue recuperar."
Ele fez anos. Eu recebi também o presente. Um homem que suporta o que é absolutamente insuportável muda, muda-nos. Na despedida, para ele não ir carregado (já levava um saco com a nova edição do “Livro do Desassossego”, pesado, claro…), ofereci-me para lhe guardar a bandeira rosa das Europeias, que tinha tido nas mãos, nessa mesma tarde, momentos antes, na célebre descida do Chiado.
E como nesta semana lembramos Mário de Sá Carneiro, registo aqui um dos poemas preferidos do Professor “fugitivo”: “vou a todas”, costuma dizer . O poema tem tudo a ver com o belo momento de uma festa de anos inesperada. Fugitiva, de rosas perfumadas diante de uma Presença. Paris, Dezembro, 1915:
«Que rosas fugitivas foste ali:/,Requeriam-te os tapetes – e vieste…/– Se me dói hoje o bem que me fizeste,/É justo, porque muito te devi.//Em que seda de afagos me envolvi/Quando entraste, nas tardes que apareceste –/Como fui de percal quando me deste/Tua boca a beijar, que remordi…//Pensei que fosse o meu o teu cansaço –/Que seria entre nós um longo abraço/O tédio que, tão esbelta, te curvava…//E fugiste… Que importa ? Se deixaste/A lembrança violeta que animaste,/Onde a minha saudade a Cor se trava?…» (“Último soneto” in Poemas Completos. Edição Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim – 2001).
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